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Foto do escritorAlexandre Costa

6 - O Jacaré do Menino Deus, por Nora Prado*

São tantas as graves notícias e informações terríveis ao longo dessa catástrofe ambiental do Rio Grande do Sul que algumas delas de perdem, neste torvelinho apocalíptico, ainda que sejam alarmantes. Uma delas é sobre um jacaré avistado nadando pelas ruas alagadas do bairro Menino Deus no começo da semana passada. O perigoso réptil foi avistado por diversos moradores e não se sabe que fim levou o bicho. Deduzo que assim como ele, vários outros podem estar nadando soltos por entre os bairros inundados da nossa cidade. Isso porque milhares de áreas rurais e pântanos foram inundados, indiscriminadamente, desde o início das enchentes. Assim como nós, o jacaré perdeu a sua casa, seus pares e o seu habitat natural. Segue desorientado pelas ruas e avenidas a procura de alguma moita, de alimento e de algum abrigo para chamar de seu.


Em outros tempos isso seria considerado folclórico e até engraçado, mas no atual estado de insegurança e dor, soa mais como uma aberração ambiental, igual a muitas provocadas pelo ser humano em tempos de emergência climática. Já escrevi sobre o cavalo no telhado e o boi no altar, agora reflito sobre o jacaré nadando em plena Av. José de Alencar e percebo que estas crônicas contêm algo do realismo mágico, digno dos nossos melhores autores latino-americanos. Mas como eles, estas narrativas se baseiam na mais crua realidade.


Assim como o Lago - Rio Guaíba parece estar reclamando sobre o seu leito original, muitos animais também desejam suas áreas de volta. O bicho homem tomou conta de tudo numa velocidade e desproporção assustadoras, não admira que a Natureza venha cobrar o que lhe é de direito. É urgente repensarmos sobre a nossa ocupação terrena em maior harmonia com o meio ambiente e suas espécies, sob risco destas calamidades extremas se intensificarem. Não é possível que tamanha agressão sistemática a Natureza não seja respondida em igual medida. Os alertas estão cada vez mais claros e intensos, cabe a nós seres humanos mudarmos a nossa postura arrogante e gananciosa por uma convivência mais pacífica e colaborativa, sustentável e potencialmente viável.


É ponto pacífico que cidades como Mussum e Eldorado do Sul não podem nem devem ser reconstruídas nos mesmos lugares para escaparem de novas enchentes. É imperativo uma nova ordem urbana que contemple as inundações que certamente virão, tão ou mais violenta que essa, equipando e preparando nossas cidades para esses eventos climáticos extremos. Investimentos bilionários para essas novas medidas devem ser o foco dos nossos futuros governantes.


Mas, por hora, ainda veremos muitas cenas insólitas como estas, do jacaré, do cavalo e do boi, em nosso novo cenário de desolação e sofrimento. Depois de quinze dias sem trégua, que o sol que volta a brilhar sobre a capital nos traga um pouco de calor e esperança de dias melhores para o Rio Grande.    



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