por Claudia Schiedeck (*)
O Brasil de 2021 vive sob a ditatura da canalhice, implantada em agosto de 2016, com o golpe de estado contra a presidenta Dilma. De lá para cá, a situação política do país se agravou, a conjuntura econômica degringolou e a estrutura jurídica se deteriorou. E a canalhice geral se instalou no nosso cotidiano sem um pingo de remorso e sem qualquer pudor. O objetivo é atingir o cúmulo da canalhice.
O que se viu na Câmara ontem foi o registro explícito da canalhice mais rápida de que se tem notícia. Após um discurso de aceno para a pacificação durante a sua posse, com direito a metáforas e tentativas de gestos grandiosos, Arthur Lira se sentou na cadeira da presidência e expôs suas entranhas: as de um canalha. Com direito a ranger de dentes e babando com a raiva típica de uma vendeta, Lira me lembrou imediatamente de Eduardo Cunha e seu estilo de fazer política, na base da cafajestagem e com uma canalhada servindo de claque a lhe servir água e café.
Mas não é só de Liras e Cunhas que vive essa ditadura. Exibimos pulhas para todos os gostos e em todas as instâncias. Temos Moros e Deltans, que prostituíram o judiciário na busca insaciável pela fama de outros canalhas de escalão mais baixo. Li as 50 páginas da canalhice mais explícita de que se tem notícia no judiciário brasileiro. A troca de mensagens entre eles é escandalosa. É nauseante. Como já disse antes, há um prazer mórbido em ser canalha. É como se o filtro do bom senso tivesse se rompido coletivamente.
E, claro, não podemos esquecer dos velhacos do dia a dia. Aqueles que escancaram sua ausência de caráter nas mídias tradicionais, nas mídias sociais, nos grupos de zap, nos almoços de domingo, por todos os cantos do país. Pessoas que acham bonito exibir o lado mais feio do ser humano. Desde que seja contra o seu inimigo, elas praticam o malabarismo de defender qualquer canalhice que lhes seja útil ou favorável, nem que seja pela birra de ser o mais canalha.
Confesso que é desesperador. Como iremos ensinar nossas crianças e adolescentes a agirem com decência quando todos os dias temos exemplos do mais baixo nível de canalhice? Como explicar a eles que o que sua família diz ou faz não passa de relés calhordice? Não vivemos numa disputa política ideológica entre direita e esquerda, mas sim uma guerra ética, onde os mais baixos valores do ser humano são endeusados como atitudes perfeitas e vitoriosas.
Proponho criar um Índice de Canalhice, no modelo do Índice da Maldade, utilizado para catalogar psicopatas. Faríamos uma descrição para cada nível, e iríamos catalogando a corja brasileira. Provavelmente iríamos ter que reenquadrar alguns patifes, pois quando a gente acredita que se chegou ao fundo do poço, outros conseguem superar feitos passados.
Pelo menos, isso poderia fazer bem a nossa alma tão escalavrada nos últimos anos. Pensem só, no índice 1, o menos canalha, poderíamos ter FHC. Talvez? Sua canalhice de 20 anos atrás parece brincadeira de criança, afinal, ainda sobrava nele um pingo de vergonha na cara. Na metade dessa escala, encontraríamos Collor e sua catrefa. Seus atos covardes e mesquinhos contra a população brasileira, e cuja fala já apresentava sintomas de calhordice explícita, poderiam não estar no extremo dessa gradação. Os canalhas brasileiros do Brasil de hoje estão no outro extremo, no grau 10. São covardes, cretinos, pulhas e apresentam características de psicopatia, entre eles, Bolsonaros, Moros, Deltans, Liras e outros anônimos. Eles se regozijam em ser desprezíveis. Está estampado em seus rostos, nos esgares dos seus sorrisos.
A canalhice brasileira de cada dia é uma doença. E se espalha tão rapidamente, de forma tão invisível quanto o COVID-19. Com a diferença de que para o vírus, já foi desenvolvida uma vacina e protocolos de segurança sanitária. Para a canalhice explícita, não há nada no horizonte. E isso é desesperador.
(*) Claudia Schiedeck é ex-reitora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS).