por Jorge Branco (*)
O Instituto Novos Paradigmas [1], em parceria com o Brasil de Fato [2], a partir da articulação do ex-governador e ex-ministro Tarso Genro, está desenvolvendo um projeto de debates vital para a equação política no país. Chama-se “República e Democracia” e consiste em entrevistas com lideranças, inclusive possíveis candidatos à presidência da República nas eleições de 2022, posicionadas no campo da centro esquerda e da esquerda. O espectro vai desde Roberto Requião e Ciro Gomes até Guilherme Boulos e Luiza Erundina, passando por Flavio Dino e Fernando Haddad, entre outros quadros relevantes.
Trata-se de um esforço muito relevante para verificarmos a real possibilidade do estabelecimento de pontos convergentes para uma possível tática eleitoral, se não comum, ao menos combinada. Essa iniciativa está no contexto, a partir de leituras críticas sobre o golpe do impeachment da presidenta Dilma Rousseff e do colapso democrático em curso, da construção de frentes para derrotar o reacionarismo.
No Brasil este debate é tão novo quanto confuso e contraditório. A partir de referências políticas como as frentes únicas contra o fascismo e as frentes populares e de processos históricos concretos como a cinquentenária Frente Ampla [3] uruguaia, o debate tem sofrido avanços e revezes.
O sistema partidário e o sistema eleitoral não facilitam a constituição de frentes políticas orgânicas ou estáveis. O sistema e a tática dos partidos de esquerda, que impõem a concorrência no próprio campo, tendem mais às coligações eleitorais e táticas do que a unidades de estratégia.
A emergência de uma direita neoliberal reacionária, com elementos neofascistas e densidade eleitoral, deu relevância à pauta da construção de algum tipo de frente política antiautoritária, democrática. Também ao debate sobre o caráter dessa frente, se de esquerda ou ampla incluindo o “centro político”. A ascensão desta pauta é uma revelação de um aspecto diretamente relacionado com a emergência do reacionarismo, a crise política e estratégica dos partidos de esquerda.
O campo político da base dos governos lulistas, se caracterizou pelos recuos nas reformas democráticas do Estado e do sistema financeiro. Os setores de esquerda que não estavam no campo dos governos lulistas, por sua vez, se reduziram às pautas de moralidade pública. Ambas as opções estratégicas resultaram no mesmo problema: deixaram campo livre para o contra-ataque reacionário e neoliberal.
A construção de uma frente é importante porque é na estratégia de construção de maioria na opinião pública que se pode construir uma interdição ao crescimento do reacionarismo e do neoliberalismo. Sem consensos que envolvam mais que um ou dois partidos se manterá esta hegemonia que tem garantido o desequilíbrio na correlação de forças. Esta hegemonia permite que a dimensão classista dos aparelhos de Estado, como por exemplo o Sistema de Justiça, aja sem restrições como o fizeram no caso do farsesco e anticonstitucional julgamento do ex-presidente Lula, movimento decisivo e fatal para a eleição do governo genocida e neofacista de Bolsonaro.
Sem combate na sociedade fica mais fácil para a direita. Uma das razões para que os governos lulistas tenham recuado nas reformas democráticas, possivelmente, tenha sido a inexistência de um núcleo de esquerda para disputar com as frações centristas os rumos políticos desse bloco no poder. A questão parece se repetir, em termos. A construção de uma “Frente de Esquerda” em torno de um programa de reformas radicais é essencial para esse enfrentamento com uma direita de novo tipo, ideológica, extrema e reformista conservadora. O desenlace da presidência da Câmara Federal e do Senado Federal demonstram que sem esta disposição a esquerda não é capaz de atrair o centro. Ao contrário, neste quadro é a extrema direita que demonstra maior capacidade de atração e conversão do centro.
A possibilidade de uma frente ampla de defesa da democracia, para que não se desdobre em uma farsa, erro grave ou decepção, está diretamente relacionada à capacidade da esquerda ser influente e forte em sua composição. A frente de esquerda precisa ser construída para que haja uma frente ampla antirreacionária e não o contrário.
Este programa de reformas democráticas, como ainda não é uma acumulação política, somente pode ser construído no jogo prático dessa mesma política. Portanto não deveria haver aqui o dilema do que vem primeiro, se o programa ou os nomes para presidente. Achar que o programa que possa ser construído de convergência e unidade entre os partido de esquerda e centro esquerda seja um produto apenas intelectual é uma mera idealização da política. Talvez essa política idealizada pudesse ser melhor do que a política realmente existente, penso que seria, mas não é o caso.
O acordo deve ser feito em torno de políticas reformistas objetivas, mas a disputa pela maioria da opinião pública se dá pela movimentação, ocupação de espaços, pela interdição do reacionarismo, pela construção de símbolos. Se reconhecermos esta dinâmica concreta da luta política, precisamos reconhecer a importância do movimento do ex-presidente Lula posicionando Fernando Haddad como mais uma nome possível para uma candidatura antibolsonaro.
O perfilhamento de Fernando Haddad ao lado de Ciro Gomes, Flavio Dino e Guilherme Boulos amplia a ideia de que a crítica e oposição ao bolsonarismo, expresso pelo próprio Bolsonaro, e ao neoliberalismo, hoje expressos por João Dória, Luciano Huck e Rodrigo Maia, são amplos e principalmente factíveis. Se para muitos o problema também é de como comunicar-se com os trabalhadores e a sociedade, a apresentação de candidaturas ainda é uma semântica forte e objetiva para expressar ideias e inconformidades e para expor os responsáveis pela crise econômica e civilizatória.
Os obstáculos à construção de uma convergência de esquerda no Brasil, não são as movimentações dos partidos ou as apresentações de nomes possíveis para as eleições de 2022, mas a incapacidade de superar elementos políticos de direita tais como a rendição ao anticomunismo, flexibilização da igualdade entre gêneros e do racismo, concessões ao rentismo.
Se os esforços estiverem voltados ao debate concorrencial intracampo de esquerda e não voltados a pactuação da estratégia, a direita já terá vencido antes mesmo do combate iniciar.
(*) Jorge Branco é Sociólogo, Mestre em Ciência Política. Diretor Executivo do Democracia e Direitos Fundamentais