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Foto do escritorAlexandre Costa

AGRONEGÓCIO NÃO TEM UM ÚNICO CANDIDATO À PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, POR CARLOS WAGNER (*)


A disputa eleitoral, em especial pela Presidência da República, está reforçando a ideia de que o agronegócio é uma coisa só. Nunca foi. Parte dessa confusão vem sendo semeada durante anos pela dificuldade da imprensa em explicar o assunto em poucas palavras. E para aumentar a confusão a destruição dos órgãos de fiscalização, como o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), tem contribuído para a proliferação entre os agricultores dos grileiros de terra, contrabandistas de madeiras nobres da Floresta Amazônica e os financiadores dos garimpos ilegais nas terras indígenas. Essa situação é hoje uma espada pendurada sobre a cabeça do agronegócio porque o governo dos Estados Unidos e de países da Europa já advertiram o Brasil que, caso o país não acabe com a destruição da Amazônia e a invasão de terras indígenas, vão aplicar sanções econômicas. E isso se acontecer o agronegócio será a primeira vítima. É sobre isso que vamos conversar. Então, vamos aos fatos, como exigiam os editores da época das redações inundadas pelo barulho das máquinas de escrever e a fumaça dos cigarros.

Temos usado nos títulos e nos textos das notícias afirmações do tipo: “o agronegócio apoia Bolsonaro” e “Lula tenta buscar apoio no agronegócio”. Nos dois casos é conversa fiada. O agronegócio não tem um comando único, como mostrei em outubro de 2021 no post Imprensa ainda não descobriu que o agronegócio não tem um comando central. Em poucos linhas justifiquei essa minha afirmação dizendo que ele é composto de pequenos proprietários que produzem carnes (frangos e suínos), leite e grãos (feijão, café e outros grãos), médios, grandes e de empresas rurais (grãos, carne bovina, cana-de-açúcar). Só para dar uma ideia da grandiosidade do negócio em número de pessoas envolvidas. Os pequenos proprietários que lidam com frangos e suínos trabalham integrados com as agroindústrias, que são as principais geradoras de empregos nas cidades do interior do Brasil. E a produção delas abastece o mercado interno e vários países. Aqui é o seguinte. A imagem errada do agronegócio que nós jornalistas explicamos ao nosso leitor tem muito a ver com a história do povoamento das fronteiras agrícolas brasileiras, como eram chamadas as regiões com baixa densidade populacional situadas principalmente no Centro-Oeste e no Norte. Essa história não faz parte dos livros escolares e os registros oficiais do governo são escassos e incompletos. Sei dela porque escrevi três livros que contam essa jornada chamados Brasil de Bombachas (1995), O Brasil de Bombachas – As novas fronteiras da saga gaúcha (2011) e De Pai para Filho na Migração Gaúcha (2019).

A história é a seguinte. Já na “Era Vargas” (1930 a 1945), as autoridades brasileiras, em especial as Forças Armadas, sempre manifestaram a sua preocupação com as regiões com baixa densidade populacional. Nos anos 60 começou a ganhar corpo a ideia de povoar essas regiões com agricultores gaúchos e seus descendentes que viviam em pequenas propriedades do Sul (Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná). De 1970 até 1985 milhares de migrantes foram levados para as fronteiras agrícolas pelo governo federal, por empresas particulares de colonização, cooperativas de produção, além de muita gente que foi por conta própria. Ocuparam a área do cerrado e da Floresta Amazônica. Cada família ganhava 250 hectares e financiamento para desmatar 50% da área e fazer a lavoura. Esse projeto de povoamento das fronteiras agrícolas esteve às portas do fracasso em duas ocasiões. A primeira foi quando, devido à falta de estradas para escoar a produção, a safra apodrecia na lavoura. E a segunda quando foi descoberto ouro na região e muitos agricultores abandonaram as suas glebas e se transformaram em garimpeiros. Na segunda metade da década de 80 foram concluídas importantes obras de infraestrutura, como estradas e pontes, e também a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) conseguiu desenvolver uma variedade de semente de soja que podia ser cultivada em latitudes mais próximas à Linha do Equador. Esses dois fatores consolidaram o povoamento das fronteiras agrícolas. E a consequência foi a profissionalização da produção agropecuária. Aqui é o seguinte. No final da década de 90, pressionados pelos movimentos de defesa do meio ambiente e o aperfeiçoamento da vigilância dos órgãos oficiais de fiscalização, os agropecuaristas optaram por aumentar a produtividade das suas propriedades em vez de avançar nas áreas de mata e cerrado.

O crime também se organizou nas fronteiras agrícolas. Grupos passaram a financiar a grilagem de terras e o garimpo nas reservas indígenas. Inicialmente esses financiadores eram da região que tinham conexões com os mercados ilegais de ouro e de madeiras nobres ao redor do mundo. Atualmente, as organizações criminosas, como o Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, estão financiando garimpos. A região é hoje um lugar perigoso, como demonstrou os assassinatos do jornalista britânico Dom Phillips, 57 anos, e do indigenista brasileiro Bruno Pereira, 41 anos. Os dois foram tocaiados e mortos no Vale do Javari, em junho. Claro, o crime repercutiu ao redor do mundo. É uma das consequências do esfacelamento dos órgãos de fiscalização do meio ambiente. Por interesse profissional me mantenho informado e atualizado sobre o que acontece nessa parte do Brasil. E a história que contei é um roteiro bem resumido para ajudar a entender o que acontece lá.


(*) Carlos Wagner é jornalista, repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela UFRGS. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, em São Paulo. Atualmente, Carlos Wagner é responsável pelo site Histórias Mal Contadas.

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