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Foto do escritorAlexandre Costa

10 - Compasso de Espera, por Nora Prado*

Hoje voltou a chover e são esperados ventos de até cem quilômetros. Até o momento a chuva está fraca e ainda não percebi o vento. Melhor assim. O prefeito suspendeu as aulas por conta da previsão meteorológica desfavorável. Pelo sim e pelo não, estamos todos protegidos dentro de casa. A espera do temporal. A espera de que as águas do Guaíba baixem. A espera de retornar para casa. A espera de dias melhores.


As enchentes começaram no início de maio interrompendo a vida de todo Rio Grande do Sul e, deixando em suspendo, o futuro de todos nós. De lá para cá foi uma sucessão de desgraças e tormentos superados, dia a dia, pela corrente de solidariedade que, prontamente, nos abraçou. Desde os voluntários que aliados a defesa civil, bombeiros, polícia militar e polícia civil, resgataram milhares de vidas humanas e animais, até os donativos que chegaram de todas as partes do Brasil, atenuando os efeitos da tragédia ambiental.


De lá para cá a paisagem inteira do Rio Grande do Sul se modificou completamente. A inundação, generalizada, derrubou casas, árvores, dizimou plantações e matou grande parte dos rebanhos bovinos, suínos e ovinos. Alagou milhares de casas expulsando populações, desesperadas, para abrigos ou casas de parentes. Cidades ficaram parcialmente ou totalmente submersas, como é o caso de Eldorado do Sul e parte de Canoas, na região metropolitana de Porto Alegre. Ruas e avenidas ficaram tomadas pelas águas, virando verdadeiros rios transitáveis apenas por botes, barcos ou jet-skis. Um cenário perturbador onde tudo foi invadido pela água barrenta.


Nesse cenário de guerra, o presidente e a sua comitiva de ministros vieram mais de uma vez ao estado, em nosso socorro, mobilizando recursos e promovendo ações integradas com forças federais e de outros estados numa ação de resgate das vítimas e defesa das cidades. Médicos, socorristas, enfermeiros, psicólogos prontamente se juntaram às forças de salvamento prestando um inestimável serviço à população afetada. 


Na região da serra e por todo o vale do Taquari, onde as chuvas torrenciais inundaram as cabeceiras dos rios, houve grandes deslizamentos de terra com inúmeros acidentes, casas e pessoas soterradas. Chegamos em mais de 160 mortos e muitos desaparecidos o que, provavelmente, fará com que o número de óbitos aumente. Há muita dor e tristeza estampada no rosto das pessoas. Mesmo quem não teve perdas materiais, está sofrendo o impacto da catástrofe, pois vemos nossos amigos, parentes e vizinhos perdendo tudo.


A cidade perdeu, momentaneamente, ruas e calçadas, perdeu a rodoviária e o aeroporto, perdeu o Mercado Público, perdeu hospitais, bares, restaurantes, lojas, Museus, livrarias, Teatros e segue numa vida fantasma a partir do anoitecer. As pessoas estão exauridas física e mentalmente, traumatizadas com o evento e a sequência de chuvas intermitentes.


O Guaíba já baixou um pouco, aliviando muitos bairros como a Cidade Baixa e o Menino Deus, fortemente atingidos, onde agora barro e entulho, retirados das casas, se espalha pelas calçadas numa paisagem degradante. O fedor e o risco de infecções e doenças se prolifera em larga escala. Já há muitos casos de leptospirose com algumas mortes em consequência disso.  


Os desabrigados em centenas de abrigos, na capital e no interior do estado, seguem uma rotina monótona de sobrevivência tentando seguir a vida completamente desestruturada. A grande maioria não tem para onde voltar, pois a chuva destruiu as suas casas. Seguem em compasso de espera para saber como o Estado vai lidar com essa situação. Por quanto tempo permanecerão nos abrigos? Alguns deles tem prazo de validade mais restrita, afinal são escolas e ginásios, precisando retomar as suas funções originais.


Fala-se em cidades provisórias. Mas onde serão fundadas e de que forma serão construídas? Espera-se ansiosamente por duzentos e oito casas montáveis enviadas pela ONU para abrigar os atingidos. As paredes são feitas de espuma poliolefina, um material isolante rígido a prova de água e propriedades que protegem do sol e do calor. Pesam cento e quarente kilos e tem dezessete metros quadrados de área. Mais um alento para quem perdeu tudo.


O ano de 2024, que iniciou oficialmente em março e teve abril para deslanchar, subitamente foi interrompido em maio pelas enchentes que desabaram como um pesadelo sinistro e interminável. O nosso belo Centro Histórico, com vistas de Cartão Postal, segue inundado e sem prazo para voltar ao normal. Situação angustiante para centenas de moradores sem água e luz que tentam voltar ao novo normal.


Milhares de crianças e adolescentes sem aulas porque suas escolas foram destruídas e outros porque o tempo chuvoso, ventoso e perigoso prejudica o retorno usual. Também seguem em compasso de espera pelas escolas provisórias, a exemplo dos hospitais de campanha.


Seguimos numa espécie de castigo coletivo a espera de recursos básicos e essenciais para seguirmos vivendo com um mínimo de dignidade. Sabe-se lá quando a vida, de fato, voltará ao calendário em suspenção. Rezo para que medidas efetivas de recuperação das cidades, estradas e equipamentos se realizem o mais breve possível diminuindo a dor da espera. Até lá, é preciso manter firmeza de espírito e consciência de grupo. Como a bela imagem da Figueira, tão comum no nosso estado, que a gente, como ela, resista ao tempo.


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