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Foto do escritorAlexandre Costa

Em Porto Alegre, o vereador Ustra idolatra o primo condenado por crimes na ditadura militar

Torturador e assassino que chefiou o DOI-CODI do II Exército, em São Paulo, de 1970 a 1974. Temido pelos presos políticos que caiam em suas mãos na famigerada Operação Bandeirantes, onde atuava sob o pseudônimo de Tibiriçá. Descrito pelas suas vítimas como cruel, sádico e violento, o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra foi o primeiro oficial militar condenado por crimes cometidos durante a ditadura militar (1964 a 1985) no Brasil. Ustra foi condenado em 2008, por decisão em primeira instância do juiz Gustavo Santini Teodoro, da 23ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo, por ter cometido crimes de sequestro e tortura.


Em Porto Alegre, o vereador Marcelo Ustra Soares, primo do coronel condenado por torturar e assassinar presos políticos durante a ditadura militar, resolveu chamar a atenção da opinião pública ao levar o livro A Verdade Sufocada, de Carlos Alberto Brilhante Ustra, para o plenário da Câmara Municipal.


Ficou evidente que a provocação do vereador Marcelo Ustra era uma tentativa de abrir espaço na imprensa local e virar notícia, exatamente no dia em que a atriz Fernanda Torres conquistou o Globo de Ouro de melhor atriz, pela exuberante interpretação de Eunice Paiva em Ainda Estou Aqui. O longa-metragem dirigido por Walter Salles, que foi baseado no livro homônimo de Marcelo Paiva, jornalista e um dos filhos do casal Paiva, conta a história da prisão, das torturas e da morte do ex-deputado Rubens Paiva (PTB), que não resistiu à violência praticada por agentes de segurança e morreu, entre 20 e 22 de janeiro de 1971, em um dos quarteis do Rio de Janeiro. MPF INVESTIGARÁ O DISCURSO DE MELO EM DEFESA DA DITADURA No dia da sua posse, o prefeito Sebastião Melo (MDB), reeleito para um segundo mandato em Porto Alegre, já havia chamado atenção da imprensa ao apontar como sendo democrático a defesa da ditadura militar. A repercussão do discurso de Melo foi tão negativa que o tema chegou ao Ministério Público Federal (MPF), que abriu procedimento para investigar o prefeito. O mesmo deve ocorrer com o vereador Ustra, eleito pelo Partido Liberal (PL) com 2.669 votos, muitos deles motivados pelo apoio que recebeu do ex-presidente Jair Bolsonaro, seu correligionário. VEREADOR USOU LIVRO DE USTRA COMO TRAMPOLIM Marcelo Ustra bem que tentou usar o prestigio do filme Ainda Estou Aqui como trampolim junto à imprensa. Porém, a estratégia não funcionou. Em discurso na tribuna da Câmara Municipal, o vereador Roberto Robaina (PSOL) não deixou dúvidas sobre as implicações que Marcelo Ustra terá, caso assuma o papel de defensor do tio, primeiro militar condenado por crimes praticados durante os anos de chumbo no Brasil.


AMEAÇA A ALEXANDRE DE MORAES Em novembro de 2022, Marcelo Ustra provocou o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. “Cel. Carlos Alberto Brilhante Ustra, (sic) faria Alexandre de Moraes voltar a usar fraldas. Era só o Alex de Moraes passar uma noite conversando com Ustra no DOI-CODI”, escreveu o hoje vereador de Porto Alegre.


USTRA FOI DENUNCIADO POR TORTURAR BETE MENDES Após 21 longos anos de uma ditadura militar que torturou e assassinou opositores do regime, o Brasil vivia a Nova República. José Sarney recém havia assumido a presidência no lugar de Tancredo Neves, que faleceu no dia 21 de abril, aos 75 anos, em função de complicações decorrentes das várias cirurgias para retirada de um tumor no estômago.

Em 1986, quatro meses após tomar posse como presidente, José Sarney fez sua primeira viagem ao exterior, tendo como destino o Uruguai e com objetivo de fortalecer a econômico e a integração dos países latino-americanos. A viagem tinha tudo para ser um sucesso diplomático. No entanto, a deputada Bete Mendes, uma das integrantes da comitiva presidencial, atriz que foi presa política durante a ditadura militar, se deparou com o coronel do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra. O homem que havia torturado Bete Mendes e centenas de outros opositores ao regime nos porões do DOI-CODI  era adido militar na embaixada brasileira em Montevidéu.


O encontro macabro teve uma ampla repercussão, após retorno da comitiva ao Brasil. Mesmo remoendo o sofrimento causado pelas lembranças, Bete Mendes cumpriu o cerimonial e nada mencionou durante o encontro com o seu algoz no Uruguai. Porém, ao retornar ao país, escreveu uma carta ao presidente Sarney, denunciando o ex-torturador e exigindo sua exoneração. “Não posso calar-me ante a constatação de uma realidade que reabriu em mim profunda e dolorosa ferida… Digo-o, presidente, com conhecimento de causa: fui torturada por ele. Imagine, pois, vossa excelência o quanto foi difícil para manter a aparência tranquila e cordial exigida pelo cerimonial: Pior que o fato de reconhecer meu antigo torturador, foi ter de suportá-lo seguidamente a justificar a violência cometida contra pessoas indefesas e de forma desumana e ilegal como sendo para cumprir ordens e levado pelas circunstâncias de um momento”.

Na carta, Bete Mendes se antecipou ao contra-argumento da Lei da Anistia: “Sei que muitas vozes se levantarão na lembrança da anistia. Lembro, porém, que a anistia não tornou desnecessária a saneadora conjunção de esforços de toda a Nação com o objetivo de instalar uma nova ordem política no País. O arbítrio cedeu lugar ao diálogo democrático. A Nova República, sonho de ontem, é a realidade palpável de hoje. Mas ela não se consolidará se no atual governo, aqui ou alhures, elementos como o coronel Brilhante Ustra estiverem infiltrados em quaisquer cargos ou funções. Por isso, denuncio-o aqui. E peço, como vítima, como cidadã e como deputada federal, providências imediatas que culminem com o afastamento desse militar das funções que desempenha no vizinho país. Tenho certeza que uma determinação sua nesse sentido significará, antes de tudo, uma demonstração de respeito ao sofrimento de milhares de brasileiros e uruguaios que acabam de despertar de uma longa noite de arbítrio, na qual a tortura e os torturadores fizeram parte de uma grotesca, triste e dolorosa realidade.”


A atriz leu a carta que enviou ao presidente José Sarney durante pronunciamento que fez no Congresso Nacional, o que acabou gerando uma crise política e institucional. Mesmo diante da denúncia, o general Leônidas Pires Gonçalves, Ministro do Exército à época, manteve Ustra no posto e avisou que não demitiria nenhum militar por acusações de tortura. Em 1987, o coronel lançou o livro Rompendo o Silêncio, em resposta às denúncias e acusações de tortura e assassinato de militantes de esquerda, quando da sua passagem pela Operação Bandeirante (OBAN) e pelo DOI/CODI, no período de 1970 a 1974. Em 2006, o coronel lançou o livro A Verdade Sufocada, em que conta sua versão dos fatos que viveu durante a ditadura.


Gaúcho de Santa Maria, Carlos Alberto Brilhante Ustra morreu em outubro de 2015, no Hospital Santa Helena, em Brasília, onde foi internado para tratamento de um câncer, mas não resistiu a uma pneumonia, que levou à falência múltipla dos órgãos.

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