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Foto do escritorAlexandre Costa

HISTÓRIAS QUE CONTAM OS CADÁVERES DOS CIVIS DE BUCHA SOBRE A OCUPAÇÃO RUSSA, POR CARLOS WAGNER (*)


As imagens são devastadoras. Mais de 400 corpos de civis, homens, mulheres e crianças, alguns com as mãos atadas às costas, espalhados pelas ruas e em uma vala comum na cidade de Bucha, nos arredores de Kiev, a capital da Ucrânia. Essas imagens começaram a correr o mundo no sábado (02/04), minutos depois que as tropas ucranianas entraram em Bucha e expulsaram os soldados russos que haviam ocupado a cidade. O presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, denunciou o massacre dos civis pelas tropas russas ao mundo. O presidente da Rússia, Vladimir Putin, disse que era armação contra o seu país. O fato é o seguinte. Como já aconteceu antes, a história vai nos contar a verdade. Como nos contou dos absurdos praticados pela Alemanha nazista na Segunda Guerra Mundial (1939 a 1945), ou os que aconteceram na Guerra do Vietnã (1955 a 1975), que envolveu militares dos Estados Unidos, e em tantos outros conflitos que ocorreram ao redor do mundo nas últimas décadas, incluindo as “guerras esquecidas” da África, como a de Angola (1975 a 2002).


Alerto os meus colegas, em especial os jovens na correria da cobertura do dia a dia nas redações, que a verdade sobre os massacres de civis ocorridos em conflitos como a Segunda Guerra Mundial levou alguns anos para ser esclarecida. A situação é completamente diferente nos dias atuais devido o avanço tecnológico. A guerra entre a Ucrânia e a Rússia é o primeiro conflito que está sendo transmitido online para o mundo. Também houve um enorme avanço na tecnologia usada na investigação forense e na perícia criminal. A autópsia nos cadáveres dos civis vai contar a história do que aconteceu durante a ocupação russa da cidade. A investigação será feita por órgãos vinculados à Organização das Nações Unidas (ONU) e por agências independentes. Até surgirem os esclarecimentos ficará valendo a versão dada pelo presidente Zelenski e apoiada pelos seus aliados da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), que é formada por 30 países europeus e os Estados Unidos. E a versão é que os civis foram imobilizados e fuzilados pelos soldados russos. Essa prática foi amplamente usada pelas tropas da Alemanha nazista nos países ocupados. Havia uma regra que sempre que soldados alemães eram atacados e baleados por movimentos de resistência eram executados 10 civis para cada um dos alemães mortos. Na Guerra do Vietnã, as tropas americanas incendiavam os povoados quando descobriam que estavam apoiando os seus inimigos, os norte-vietnamitas. Estes faziam a mesma coisa. Há uma vasta documentação sobre o sofrimento da população civil nos conflitos. Por que a guerra da Ucrânia seria diferente?


Respondendo a essa pergunta, eu digo que se não fossem as novas tecnologias, como o celular, o massacre dos civis ucranianos se juntaria a tantos outros já acontecidos. Mas o fato da guerra ser transmitida para o mundo online fez a diferença. As cenas dos civis mortos em Bucha estão circulando em milhares de noticiários de TV e outras plataformas de comunicação. Muito embora exista uma censura feroz na imprensa na Rússia essas imagens estão circulando clandestinamente no país. E alimentando os movimentos populares que fazem manifestações em Moscou contra a guerra – há matérias na internet. O fato é que devido a enxurrada de informações sobre as mortes de civis em Bucha, Putin e os seus generais estão sendo descritos como carniceiros no resto do mundo. Certamente que esse episódio influenciará o destino dessa guerra. A superioridade militar dos russos sobre os ucranianos é um fato incontestável. Mas também é incontestável a grande performance midiática do presidente da Ucrânia, Zelenski, sobre o seu colega da Rússia, Putin. Zelenski está contando a sua versão dessa guerra para o mundo. E a maneira como ele conta essa história é altamente convincente.


Escutando as declarações do Putin, dos seus diplomatas e generais, a ideia que se tem é que eles não estão nem aí para a opinião pública mundial. Acreditam que ninguém terá peito de desafiá-los pela importância da Rússia como fornecedora de gás, petróleo, adubos e grãos para o mundo. E principalmente por ter centenas de bombas atônicas. A avaliação que fiz não é opinião. São fatos que estamos escrevendo, falando e mostrando dezenas de vezes ao dia nos noticiários. Pelo que estamos publicando, o caso de Bucha não o único. Nas outras cidades ocupadas pelos russos há fartura de relatos sobre atrocidades cometidas contra civis. Tudo leva a crer que serão esses relatos de abusos contra a população que decidirão o destino dessa guerra. Passando por cima de Putin e dos seus generais. Por quê? Há muitos interesses econômicos envolvidos. Vejam, colegas. A economia mundial é globalizada. Isso significa que os dirigentes de um país que tenha importância no sistema econômico mundial, como é o caso da Rússia, não pode sair por aí causando prejuízos a todo mundo. É por esse motivo que a cada dia de guerra as opções de Putin e dos seus generais vão diminuindo.


Ocaso da morte dos civis colocou o presidente russo na galeria dos carniceiros. Um lugar incômodo para qualquer dirigente. Para arrematar a nossa conversa. O poder da propaganda na guerra é mais poderoso do que as armas. Isso é mostrado em dezenas de documentários, livros e trabalhos acadêmicos sobre uso da propaganda pelas tropas dos Aliados na Segunda Guerra Mundial. No Vietnã, os americanos foram derrotados pela opinião pública do seu país, que era contrária a guerra. Imaginem hoje, que tudo é online, inclusive as guerras? Um celular em um campo de batalha é tão poderoso como um míssil.


(*) Carlos Wagner é jornalista, repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela UFRGS. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, em São Paulo. Atualmente, Carlos Wagner é responsável pelo site Histórias Mal Contadas.

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