Depois de oito meses da posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, familiares de vítimas da ditadura militar lançaram um manifesto virtual para recolher assinaturas em favor da reinstalação da Comissão Especial Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, que foi encerrada durante o governo Bolsonaro. Em abril de 2023, Lula afirmou a jornalistas que aguardava apenas a minuta do decreto, a ser enviada pelo Ministério dos Direitos Humanos, para recriar a Comissão.
Porém, passados quatro meses da declaração do presidente, o colegiado ainda não retomou seus trabalhos. O manifesto cobra que o governo Lula ofereça as condições para que a Comissão seja reativada e dê prosseguimento às suas funções, como a busca pelos corpos das vítimas do regime militar e expedição de atestados para fins de retificação de assentos de óbito. Os familiares ainda querem debater estratégias para provocar o Supremo Tribunal Federal a rever a Lei de Anistia.
A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) reproduziu matéria do jornalista Jamil Chade, publicada no site do Uol, no dia 1º de agosto, na qual informa que mais de 170 entidades de direitos humanos no Brasil cobram a adoção de medidas concretas para lidar com os crimes da ditadura militar no país, entre 1964 e 1985. O manifesto cobra que o governo Lula ofereça as condições para que a Comissão seja reativada e dê prosseguimento às suas funções, como a busca pelos corpos das vítimas do regime militar e expedição de atestados para fins de retificação de assentos de óbito. Os familiares ainda querem debater estratégias para provocar o Supremo Tribunal Federal a rever a Lei de Anistia.
LEIA ABAIXO A MATÉRIA Jamil Chade Mais de 170 entidades de direitos humanos no Brasil cobram do governo de Luiz Inácio Lula da Silva a adoção de medidas concretas para lidar com os crimes da ditadura militar no país, entre 1964 e 1985. Durante os quatro anos do governo de Jair Bolsonaro, a pauta foi ignorada e o ex-presidente chegou a receber no Palácio do Planalto militares acusados de tortura e se recusou a considerar os acontecimentos de 1964 como um golpe de estado.
A esperança de ativistas era de que, com um novo governo, a pauta fosse retomada com força. Mas alertas surgem quanto à prioridade que o Planalto está dando ao tema. De fato, num comunicado enviado aos governos de todo o mundo e revelado pelo UOL na semana passada, o Brasil apresentou seus compromissos firmados voluntariamente pelo país para assegurar um assento no Conselho de Direitos Humanos da ONU. Um deles era a questão dos crimes da ditadura.
Agora, um grupo formado por mais de 170 entidades insiste que é o momento de “avançar nas políticas públicas de memória, verdade, reparação e justiça, com inspiração nas melhores práticas internacionais, bem como caminhar na ampliação destes conceitos e dessa agenda, incorporando não apenas outras temporalidades históricas como também outras vítimas da ditadura militar, levando em conta especialmente os recortes de gênero, raça, classe, território e orientação sexual”.
As entidades são lideradas pelo ex-secretário de Justiça, Paulo Abrão, e formam a Coalizão Brasil por Memória, Verdade, Justiça, Reparação e Democracia. Fazem parte da iniciativa entidades como Coletivo RJ Memória, Verdade, Justiça e Reparação, Grupo Tortura Nunca Mais da Bahia, Núcleo Memória, Comissão Camponesa da Verdade, Coletivo de Filhos e Netos por Memória, Verdade e Justiça, Movimento Mães de Manguinhos, Instituto Vladimir Herzog, Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero, Associação Brasileira de Anistiados Políticos e Grupo de Pesquisa Justiça de Transição.
Para eles, “um sinal importante do compromisso efetivo com essa agenda seria a reinstalação da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), extinta de forma ilegal no final do governo passado e ainda não restabelecida pela atual gestão”.
“É de se notar que, a despeito dos limites legais estabelecidos pela lei 9.140/1995, a CEMDP pode ter um papel estratégico no que se refere ao objetivo de ampliação dessa agenda”, defendeu.
Segundo eles, a Comissão pode ser positiva nos esforços concretos para a ampliação do conceito de desaparecimentos políticos no Brasil. “Por outro, ela reúne uma importante expertise técnica que pode ser colocada à disposição para o esclarecimento das graves violações aos direitos humanos de outros períodos históricos, inclusive das que seguem sendo perpetradas no presente”, diz.
Para o grupo, outras medidas devem incluir: – instalação da Comissão Nacional da Verdade Indígena; – avanço no reconhecimento das violações aos direitos humanos dos trabalhadores rurais; – implementação de políticas de memória e reparação sobre a escravidão negra; – fortalecimento da Comissão de Anistia; – fortalecimento da política de arquivos; – avanço na revisão da lei de anistia e da responsabilização dos perpetradores; – cumprimento das recomendações da Comissão Nacional da Verdade, especialmente no que diz respeito às reformas institucionais voltadas para interromper o genocídio negro nas favelas, periferias e nos espaços de privação de liberdade, bem como àquelas que tratam do aperfeiçoamento das nossas instituições democráticas.
“Apesar da delicadeza do momento atual, marcado por limites políticos e orçamentários decorrentes da passagem de um governo de extrema-direita para uma gestão democrática, os quais dificultam a implementação desse programa em sua totalidade, acreditamos que tais iniciativas são fundamentais para a defesa e o fortalecimento da nossa democracia, tão atacada nos últimos anos”, defendem as entidades.
Para o grupo, a fim de demonstrar na prática seu compromisso com essa agenda, o governo deveria garantir recursos para a implementação e execução das políticas públicas de memória, verdade, justiça e reparação.
LEI DA ANISTIA Num comunicado separado, o Instituto Vladimir Herzog ainda reforçou sua posição de defesa das recomendações do Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas sobre o Brasil, publicadas em relatório na última quarta-feira (26/7).
O documento, conforme o UOL revelou em primeira mão, registra a preocupação do comitê quanto à falta de implementação das recomendações da Comissão Nacional da Verdade e pede a revisão da Lei da Anistia e a criminalização de discursos de ódio.
Em abril deste ano, uma comitiva do Instituto Vladimir Herzog (IVH) esteve em Brasília e se reuniu com diversos integrantes do governo brasileiro para a apresentação e entrega do relatório “Fortalecimento da Democracia: Monitoramento das recomendações da Comissão Nacional da Verdade”, produzido com apoio da Fundação Friedrich Ebert.
O relatório aponta que do total das 29 recomendações gerais, apenas 2 foram realizadas (7%), 6 parcialmente realizadas (21%), 14 não realizadas (48%) e 7 retrocedidas (24%), o que revela uma situação preocupante.
Segundo a entidade, o ministro Silvio Almeida, da pasta de Direitos Humanos e da Cidadania, assumiu uma série de compromissos, entre eles a criação de uma comissão com o objetivo de dar encaminhamento às recomendações da CNV.
“Três meses após a entrega ao estado brasileiro do relatório produzido pelo IVH, a ONU reforça aquilo que já alertávamos: é absolutamente urgente que o Brasil implemente tais dispositivos para o cumprimento efetivo das recomendações para, acima de tudo, fortalecer os direitos humanos e a democracia em nosso país”, afirma a entidade.
Segundo o Instituto, episódios como o 8 de janeiro de 2023 “são desdobramentos da lamentável incapacidade do Estado Brasileiro de atuar na punição de agentes que historicamente atentaram – e ainda atentam – contra a democracia”.
A entidade faz sua cobrança: Enquanto o atual Governo não garantir a implementação das recomendações da Comissão Nacional da Verdade, estaremos fadados a sucessivos ataques contra o Estado Democrático de Direito.
Segundo eles, à medida que o décimo aniversário da entrega do relatório final da Comissão Nacional da Verdade se aproxima, em 2024, é “crucial reconhecer que ainda há muito a ser feito em relação à justiça e à reparação para as vítimas da ditadura militar, bem como para avançar nos trabalhos de apoio aos que sofrem violência policial e do Estado mesmo em tempos de democracia”.
Para o IVH, a implementação dessas recomendações não apenas promove a justiça e a reparação histórica, mas também fortalece os valores democráticos e o respeito aos direitos humanos no país.
O Instituto, portanto, faz um chamado ao atual governo brasileiro, “que tem publicamente assumido o compromisso contra a desigualdade e pelo avanço no fortalecimento da democracia em nosso país, que não tarde em agir efetivamente para a mudança de uma cultura de violência”.
“Somente por meio de ações concretas que alcançaremos uma sociedade mais inclusiva, igualitária, justa e verdadeiramente democrática”, completa a nota.
MANIFESTO PUBLICADO NO DIA 26DE JUNHO A democracia brasileira tem sido alvo de graves e permanentes ataques ao seu amadurecimento e estabilidade, fato que preocupa todas as pessoas que defendem o Estado Democrático de Direito, sobretudo nós que assinamos este manifesto: familiares de mortos e desaparecidos políticos que perderam suas vidas porque resistiram à ditadura civil-militar imposta. Por ser esta a política implementada, a de extermínio de seus opositores.
Acreditamos que tentativas de destruir a democracia seguem acontecendo quando NÃO se cumprem os deveres de um estado democrático de sustentar ações para garantir o esclarecimento da Verdade, o resgate e a construção da Memória, e a aplicação da Justiça contra a impunidade dos crimes cometidos.
Neste Dia Internacional de Combate à Tortura, nós que sofremos as agruras herdadas da vida marcada por perseguições, tortura, e assassinatos de nossos familiares, há várias gerações acompanhamos diferentes governos sem que tenhamos tido acesso às circunstâncias verdadeiras da morte nem aos corpos de nossos entes queridos. Carregamos o sofrimento dos cruéis e bárbaros assassinatos e o desaparecimento pela ocultação de cadáveres.
Sendo assim, e entendendo que é preciso também retomar todos os trabalhos e empreender todos os esforços necessários para a construção de uma sociedade onde a tortura e o extermínio não sejam naturalizados, e não passem impunemente, nós: ex-cônjuges, irmãos, irmãs, filhos, filhas, netos, netas, sobrinhos e sobrinhas de mortos e desaparecidos políticos, viemos rogar que seja imediatamente reativada a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, criada pela Lei nº 9.140/1995, e suas ações com a finalidade de que:
a) Sejam retomadas as políticas de expedição de atestados para fins de retificação de assentos de óbito;
b) Sejam garantidas as condições necessárias, financeiras e de pessoal, para que se prossiga com as medidas de buscas e identificação de corpos de nossos entes queridos; realização de oitivas testemunhais, audiências públicas, entre outras diligências e atividades a que está orientada essa comissão;
c) Sejam observadas a evolução da legislação nacional e internacional na interpretação da aplicação de prazos prescricionais, ou decadenciais, para os pleitos de reconhecimentos e de reparações a familiares de mortos e desaparecidos políticos;
d) Sejam solicitadas audiências e outras medidas que considerar pertinentes para que o Supremo Tribunal Federal (STF) seja instado a reinterpretar a Lei de Anistia que até os dias de hoje garante a impunidade de centenas de torturadores e assassinos.
A partir desta data, 26 de Junho de 2023, Dia Internacional de Combate à Tortura, familiares de mortos e desaparecidos assinam, e convidam a toda sociedade civil a também assinar este manifesto: