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Foto do escritorAlexandre Costa

Promessas para um ano novo, por Paulo Gaiger*

Depois de saltar sete ondas, comer lentilhas e doze uvas, de pedir a uma cigana pobre e analfabeta que leia a nossa mão prevendo um futuro promissor, de convocar a proteção de todos os deuses, santos, duendes, querubins e orixás, as promessas feitas na curta passagem entre o fechar da noite do ano velho e o amanhecer do novo ano tendem a cair no esquecimento como nos acontece depois de uma ressaca daquelas em que é melhor não lembrar as declarações de amor, o nude debaixo da samambaia, a retomada da ginástica, o encerramento do ciclo alcóolico, a dedicação aos estudos, de finalmente recomeçar a leitura de bons livros. Tudo exige muito esforço, desacomodação, compreensão e disciplina. E disciplina é liberdade, todos já cantamos, e o medo à liberdade é o que nos retém nos cantões da infância, das crendices e da submissão. Às vezes, as promessas valem por si mesmas, na graça do que nunca será cumprido, pois aí reside a desídia da contínua renovação de algo condenado a nunca se realizar. Quantos “vamos tomar um café”, “vamos fazer uma janta” e “aparece lá em casa”, são como maneiras polidas de postergar indefinidamente encontros abduzidos pela rotina sufocante de trabalho e de coisas mais aparentemente úteis e importantes? Preencher as horas de cada dia com um montão de coisas que terminam no fim de semana com música alta e ruim, muito trago e programação miserável da televisão tal o réveillon na TV, soterra promessas e sonhos. O pensamento vai para as cucuias, levando na carona a possibilidade de decisão e ação. Quem sabe são os conceitos do que é útil, importante e vital que devem ser pensados e modificados. Ser feliz é complicado, bem mais fácil é sofrer, cantava o Nico Nicolaiewsky. Vejam que os tempos e verbos amar e ler, para ficar com dois âmbitos humanos cada vez mais deixados prá lá, solicitam da gente, pleonasticamente falando, tempo, pensamento e ação. Orações, cartas e encruzilhadas não têm lá muita serventia para as decisões que temos que tomar. Humano, demasiado humano. Isso é! Baita responsabilidade! No meio do joio, se espreitamos bem, há trigo; no entremeio das horas da mesmice do dia a dia, se nos detivermos uns minutos para observar, há potência e sonhos. Pensando bem, existem sonhos que sonhamos, assim como promessas que nos fizemos, que podem ser factíveis e não delírios ou dependentes da sorte ou da vontade de terceiros. Desligar da redes e se ausentar da televisão são coisas de cada um assumir; escutar Vitor Ramil e ler um livro e o jornal, também. Ter paciência e não xingar no trânsito; deixar bem enterrados no ano velho os preconceitos contra negros, pobres, gays e mulheres; assinar a carteira da empregada doméstica; cultivar um pequeno jardim de flores ou canteiro de hortelã, alecrim, manjericão, orégano...; diminuir as idas ao shopping e ir mais à colônia de Pelotas ou ao Laranjal com a família; deixar o carro na garagem e aproveitar as ciclovias; levar a esposa ou esposo, namorada ou namorado mais vezes ao motel; separar o lixo orgânico do reciclável; não tirar vantagem nem passar ninguém para trás; não comprar mais refrigerantes e beber mais água e sucos naturais; dar bom dia ao motorista e ao cobrador do ônibus; ir mais ao teatro; pressionar o prefeito para que o canteiro central da Bento se converta em um passeio peatonal ajardinado; abandonar o cigarro e cuidar com atenção e delicadamente das pessoas que amamos; trocar empréstimos bancários por abraços e beijos. Vejam que tudo é possível, pensamento, ação e liberdade em nossas mãos. Promessas que podem ser cumpridas em 2025.

(*) Adaptação do texto (2017) publicado no livro “Não vá ao supermercado nos domingos” (ed. Traços&Capturas – 2019).


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