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Foto do escritorAlexandre Costa

Trump já tentou detonar a imprensa e falhou. Terá sucesso na nova tentativa?, por Carlos Wagner*

No seu primeiro mandato (2017 a 2021), o ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump (republicano), 76 anos, tentou destruir a imprensa tradicional e não conseguiu. Em janeiro, ele assume o seu segundo mandato depois de ter dito, durante toda a campanha, que irá cassar as licenças das emissoras de rádio, TV e outras plataformas, além de processar e cancelar a licença de jornalistas investigativos para trabalhar na Casa Branca. Conseguirá desta vez? É sobre isso que vamos conversar.


É um fato que agora são maiores as chances de Trump detonar a imprensa tradicional, por ter saído fortalecido politicamente das eleições presidenciais da última terça-feira (5), quando obteve uma ampla vitória sobre a vice-presidente Kamala Harris (democrata), 60 anos. Além disso, a projeção da Associated Press é de que fará maioria na Câmara dos Representantes (deputados) e no Senado. Soma-se a isso o fato de que, no seu primeiro mandato, ele nomeou três juízes para a Suprema Corte, tornando maioria os conservadores – seis dos nove juízes. E que, no segundo mandato, poderá nomear novos juízes e até ampliar a base conservadora se um dos três progressistas remanescentes se aposentar. No atual momento, a se confirmar este quadro, Trump assumirá como um dos mais poderosos ocupantes da Casa Branca. Só existirá a imprensa para contestar as suas ações. E a imprensa americana, como no resto do mundo, não vive um dos seus grandes momentos. Por conta das ameaças do presidente americano eleito tenho lido vários artigos e trabalhos acadêmicos. Entre eles, li no Estadão um texto chamado “A dura verdade é que as pessoas não confiam no jornalismo”, de Jeff Bezzos, dono da Amazon e do jornal Washington Post. No seu texto, ele desfila estatísticas e argumentos sobre a decadência do jornalismo tradicional. Também tenho conversado sobre o assunto com colegas que trabalham em vários países, que conheci nas décadas de 80 e 90, quando fazia cobertura de conflitos agrários no Brasil e em boa parte da América do Sul. Concordo que o jornalismo tradicional está em acelerada decadência. Comecei a trabalhar em redação em 1979 e sou testemunha deste processo no Brasil. Diria que o auge das grandes empresas de comunicação ao redor do mundo foi no final da década de 80.


Mas também sou testemunha que, em momentos decisivos para a sobrevivência da democracia, o jornalismo tradicional renasce e cresce. Vou lembrar um caso recente que foi a pandemia de Covid-19 (2020 e 2021), que causou 13 milhões de mortes no mundo, sendo mais de 1 milhão nos Estados Unidos e 700 mil no Brasil. Trump era presidente e estudos apontam que o seu negacionismo em relação ao poder de contágio e letalidade do vírus foi responsável pelo elevado número de mortes. No Brasil, era presidente da República Jair Bolsonaro (PL), 69 anos, que também era negacionista em relação ao vírus, e o estrago que causou pode ser encontrado nas 1,3 mil páginas do relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado da Covid-19, a CPI da Covid. O trabalho da imprensa na época salvou muitas vidas. Sou um velho repórter estradeiro, 74 anos, e há quatro décadas ando pelos sertões do Brasil e países vizinhos fazendo reportagens investigativas sobre conflitos agrários, migrações e crime organizado nas fronteiras. Aprendi que a reação da imprensa contra os seus agressores nasce entre os repórteres. É da nossa natureza brigar pelos mais fracos. Repórter é repórter em qualquer canto do mundo. Por isso, acredito que a imprensa americana reagirá aos ataques de Trump e terá uma boa chance de se sair bem. No seu primeiro mandato, Trump tinha como seu estrategista Steve Bannon, 70 anos, que montou uma rede de fake news que tornou um inferno a vida dos jornalistas nas redações. O problema foi resolvido com o surgimento das agências de verificação. Bannon saiu da cadeia no final de outubro, onde ficou quatro meses, acusado de não ter colaborado com uma investigação do Congresso sobre a invasão do Capitólio por seguidores de Trump, em 6 de janeiro de 2021, para impedir a sessão legislativa que ratificaria a vitória do atual presidente Joe Biden (democrata), 81 anos, nas eleições de novembro de 2020. Se Bannon falasse, complicaria a vida de Trump. Ainda não se tem notícias de qual será a sua função no novo governo. Sabemos que o presidente eleito costuma ser generoso com quem lhe é fiel. Durante a campanha, as fake news ficaram por conta do bilionário Elon Musk, 53 anos, dono do aplicativo X, antigo Twitter. Trump prometeu que Musk teria um posto no seu governo. É provável que o enfrentamento com a imprensa seja feito pelo bilionário.


Nos Estados Unidos como Brasil, e me atrevo a dizer também em outros países democráticos, as articulações para as próximas eleições começam no segundo seguinte ao fechamento das urnas. As próximas eleições presidenciais americanas acontecerão em 2028. A 22ª Emenda da Constituição proíbe um terceiro mandato. O que isso significa? Que nos bastidores os seguidores do presidente eleito travarão uma guerra pela indicação para concorrer em 2028. Pela lógica, seria o vice, o senador J. D. Vance, de Ohio, 39 anos. Mas nós jornalistas sabemos que a disputa política não é lógica, ela é guiada pelas articulações nos bastidores. A única coisa que podemos afirmar, com certeza, é que não será Musk, porque a Constituição exige que o presidente da República seja cidadão americano nato. O bilionário nasceu na África do Sul. Mas isso não significa que ficará fora do jogo que escolherá o candidato dos republicanos em 2028. Para nós repórteres essa disputa é uma porta de entrada na Casa Branca. Sabemos que nestas ocasiões sempre há alguém querendo falar. Certamente, não dará a cara a tapa nas redes sociais. Vai ser na velha e eficiente “conversa ao pé do ouvido”. Como se diz nos cantos das redações, Trump não está com essa bola toda.



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